segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Formosos e luminescentes

Em menos de duas décadas conhecemos quase meia dúzia de logótipos à EDP (e sem considerar a REN e outras empresas do grupo). Tanto esmero nas toalhas para nos servir sempre e desde sempre o mesmo mal servido e abusivo prato.


          Esta entidade que, para lograr os seus chorudos dividendos, não só se apropriou dos recursos dos meios e até da alma e da história das gentes [1] e [2], dispondo à vontade do que só ao Povo,  usando e dispondo arbitrariamente do que sendo de todos e a todos pertence a todos deveria beneficiar por igual. Usa e abusa em seu estrito proveito dos 4 elementos, dando o pior, mais abusivo e mais egocêntrico uso a tais recursos, transformando-nos os rios em charcos e poças, invadindo montes e vales com os seus sinistros postes e fustigando-nos o céu mais próximo com os mesmos longos e sinistros molhos de cabos; represa a água para ciclicamente a despeja sobre a vida das pessoas, inundando-nos e alagando-nos as estradas, os campos, as casas, a nossa vida, a própria alma; que nos polui montes e colinas e paisagens com papagaios e ventoinhas de papel em tamanho gigantesco. E que nos devendo fornecer a energia nas condições de ética e de reciprocidade exigível a quem usa e dispõem do que é nosso, nos factura em papeis sucessivamente  neo-logotipados a "luz" (seja isso o que for) e mais taxas, e sobretaxas, e outros tantos impostos travestidos. Esta empresa, enfim, que devendo responder com uma ética de obrigações e solidariedade às dificuldades dos verdadeiros donos e proprietários dos bens e meios de que dispõe, paradoxalmente, é nesta altura de crise e pobreza crescente que, demonstrando os mais gritantes insensibilidade, indiferença, egoísmo e falta de respeito, reduz de três meses para três semanas o tempo em que corta o fornecimento de energia pela falta de pagamento(!).

           Em contrapartida, além das fortunas que despende com os seus Bureaus de administração e direcção, gasta ostensivas e despudoradas fortunas em anúncios televisivos tão longos quanto inúteis (não tendo concorrência, apenas precisa de se “distinguir” de concorrentes ficcionados e ou alienígenas) e ainda com estes caríssimos desenhinhos do capítulo da “imagem e comunicação”, assim nos dando a exacta noção de que além da sua voracidade predadora primária, nada mais tem de perene ou duradouro, tudo é para inglês ver, tudo é de usar e deitar fora, tudo é expelido após o escasso hiato entre a ingestão e a digestão, lembrando-nos inevitavelmente o fragmento do célebre poema do Abade de Jazente (1719-1789)[3]  que o próprio Bocage mais tarde glosaria[4]: “(…) que deitando no mês podre gordura / fétido mijo lança a qualquer hora / Caga o cu mais alvo merda pura /pois se é isto o que tanto se namora / em ti mijo, em ti cago, oh formosura!  

[1] Em 1971 sobremergia uma povoação comunitária inteira, Vilarinho das Furnas, possivelmente um dos maiores afogamentos colectivos da história,
"No dia seguinte só havia silêncio...<> era a frase que verbalizava o receio de desaparecimento da aldeia nos anos que antecederam o enchimento da albufeira. A "presa" começou a ser uma realidade cada vez mais próxima, até que, em 1971, foi preciso meter toda a aldeia em carrinhas e tirá-la dali. A diáspora de Vilarinho espalhou-se por vários concelhos do Norte e pela emigração, mas alguns moradores ficaram a viver ali perto, na povoação vizinha de S. João do Campo(...)"
[2] prática que vai ciclicamente reiterando, assim tendo levado para a memória submersa outras aldeias e populações, como a aldeia da Várzea e muitas outras;
[3] -  Abade de Jazente
"Paulino António Cabral (Amarante, 6 de Maio de 1719 — 20 de Novembro de 1789), melhor conhecido por Abade de Jazente, foi um poeta português. Estudou Direito Canónico em Coimbra a partir de 1735 e licenciou-se em 1741. Foi nomeado abade de Jazente em 1752. Além de religioso, escreveu poesias.
É personagem do romance histórico Um motim de há cem anos, de Arnaldo Gama.
Obras
- Poesias de Paulino Cabral de Vasconcelos, Abade de Jazente, vol. I (Porto, 1786)
- Poesias de Paulino António Cabral, vol. II (Porto, 1787).
e
por Balbino de Carvalho, Paulino António Amaral (Um poeta amarantino do século XVIII), Martins & Irmão Lda., Porto, 1955"...
Soneto II
"Piolhos cria o cabelo mais dourado;
branca remela o olho mais vistoso;
pelo nariz do rosto mais formoso
o monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
hálito sai, às vezes bem ascoroso;
a mais nevada mão é sempre forçoso
que de sua dona o cu tenha tocado;

Ao pé dele a melhor natura mora,
que deitando no mês podre gordura,
fétido mijo lança a qualquer hora:

Caga o cu mais alvo merda pura:
pois se é isto o que tanto se namora,
em ti mijo, em ti cago, oh formosura!"



[4] -  Barboza du Bocage
Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porem o ver cagar a formosura
Mette nojo à vontade mais gulosa!
Ella a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma charta d'amor de alimpadura
Serviu àquella parte malcheirosa:
Ora mandem à moça mais bonita
Um escripto d'amor que lisonjeiro
Affectos move, corações incita:
Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palacio do alcatreiro!



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