sábado, 2 de janeiro de 2010

Estado de Direito ou "Opus Lei"?...


Não nos move – aqui e agora – a defesa da honra do Cidadão José Sócrates e dos seus pares, ou do cidadão Pinto da Costa, por exemplo, ainda que a honra das pessoas referidas seja tão defensável quanto a de todos os demais cidadãos da República. Move-nos apenas a defesa da Democracia e do Estado de Direito.

Passando ao largo do principal problema (o Estado a que isto voltou a chegar, parafraseando o Cap. Salgueiro Maia), tudo tem servido de acha para uma fogueira onde organizações sindicais várias – logo, eminentemente particulares, ou sectorizadas, além de corporativas – da Organização Judiciária (a Associação Sindical dos Juízes, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o Sindicato – ou Associação Sindical - dos Agentes de Investigação Criminal, etc.) se manifestam em tomadas de posição de todo políticas e cada vez mais frequentes, numa (concertada?) e intensa oposição a um governo que – agrade-nos ou não – resulta recém-eleito pelo único poder soberano, O Povo [1].

Cada vez mais e mais frequentemente, membros das Magistraturas e da Organização Judiciária/Judicial, um poder que, queira-se ou não, não é sufragado pelo Povo Soberano, resultando num poder de organização eminentemente oligárquica e com esfera de acção e "pronúncia" bem definidas e delimitadas, manifestam-se agastados e ofendidos com ministros e secretários, ralhando recorrentemente com políticos, fazendo ameaças veladas aos ministros que por falarem em espionagem política acerca de escutas não autorizadas são acusados de supostamente “desrespeitarem o poder dos Juízes”, fazendo até ameaças veladas (“alguém terá que responsabilizar o Sr. Ministro pelo que disse”), ao mesmo tempo que os mesmos magistrados desrespeitam publicamente (ou põem em questão, lançam dúvidas e desconfiança, quer Orgânica quer política sobre) as suas próprias hierarquias, coisa que em organizações de matriz democrática, não será, necessariamente, geradora de caos, mas num órgão fechado e – por assim dizer – oligárquico ou misto, será, pelo menos, anarquizante. Além de porem ainda e repetidamente em questão outros órgãos da soberania, nomeadamente a/o PGR, um órgão que, pelo menos, é nomeado por quem foi sufragado nas urnas.

As frequentes e repetidas pronúncias públicas do Sr Presidente da ASJ, Dr. António Martins, os comentários avulsos do Dr Juiz Rangel, o tom imperativo e autoritário de um Procurador-Adjunto, na circunstancia em funções sindicais e que fala como se fosse ele próprio, mais que Procurador Titular[2], o órgão constitucionalmente designado para escrutinar a própria PGR, a excessiva presença em televisões a propósito de questões eminentemente políticas de Dirigentes (ou do Sr. Presidente) do organismo sindical das Polícias de Investigação, nada disto acrescenta confiança à Justiça e à investigação criminal, pelo contrário, tudo isto é gerador de insegurança e desconfiança.

Tudo isto resulta num quadro que, por fim ou afinal, confirma os receios daqueles que, ao tempo, não viam com bons olhos a criação de sindicatos e ou associações sindicais nestas classes porque – e assim pode parecer ser – "se transformariam em organizações políticas corporativas", dando até razão a quem disse não há muito tempo - e julgamos que terá sido o Observatório Permanente da Justiça - que “a justiça portuguesa está cada vez mais corporativa”.

Congratulamo-nos todos, julgamos, com uma luta apertada e sem tréguas contra a corrupção. É inegável que a corrupção, além de tudo o muito mais e muito grave que é, é geradora de pobreza social e de discriminação económica e social, é factor de subdesenvolvimento. Lamentamos a inércia e as omissões legislativas deste e de anteriores governos nesta pertinente matéria. Lamentamos o pouco aproveitamento que as (des)Leis entre si acabam por dar ao generoso, árduo, penoso e até arriscado trabalho dos Investigadores Judiciais. Mas não é com uma reacção corporativa e – queira-se ou não, não democrática ou constitucional – da Organização Judiciária que isto se resolve porque isso pode redundar num poder paralelo de uma como que regressada Ordem da Toga. A Constituição da República define e consagra os suficientes Orgãos e os suficientes poderes de soberania.

E muito menos se podem transformar em ambulatrios (para)forenses as praças públicas, aí se julgando e logrando - e até antecipadamente - as condenações que ora não são devidas, ora o seriam até mas a tal ineficácia legislativa não as logra nas instâncias judiciais.

Como diria o outro, "não se confunda o Estado de Direito com uma Opus Lei".

Não é nem pode ser Baltazar Garzon quem se arvora em tal e muito menos o pode julgar ser cada magistrado de per si na sua esfera, Comarca ou Juízo. Tampouco podem os Órgãos Judiciais e Judiciários – ainda que de forma meramente consequente – corporizar-se, apenas faltando criar uma espécie de Constituição da República Sombra, ou paralela, em sentido material.

É mais de que evidente que o modelo de partidos, por um lado, viciou, emperrou e, por outro, este modelo meramente representativo não esgota e muito menos satisfaz os anseios democraticos das sociedades pós-modernas do Sec. XXI, mais instruídas e participativas. Mas parece-nos um preocupante retrocesso histórico e político contrapor-se ao sistema e lógica partidárias, poderes corporativos e – relativamente – particulares, como aconteceu ao longo nos séculos XIX e início do Sec. XX (acabando depois com meio século de regime efectivamente corporativo).

Uma Cidadania Democrática, Justa e Igual precisa prementemente (também!) dos homens e mulheres das Magistraturas, da Organização Judiciária, da sua mundovisão, da sua independência e da sua equidade. Mas enquanto luta política, essa, para reforço da segurança e da confiança quer na Democracia, quer no Estado de Direito, só pode ser, só terá que ser, levada a cabo em sede da Cidadania plena e igual.

Projecto Cidade - Cidadania e Dignidade