domingo, 1 de novembro de 2009

A vergonha e a raiva de um juiz

Repub de recorte de In verbis:

Eurico Reis

"É falso e até injurioso afirmar que se está a procurar intimidar os juízes. Não foram alguns políticos condenados sem que sobre os julgadores tenha recaído qualquer crítica? (...) Do que esta conduta da direcção da ASJP (que nem sequer do seu conselho geral ou de uma assembleia de associados) dá sinal é de uma profunda incompreensão do que é a democracia representativa. O que é inaceitável num juiz, que é o titular de um poder de soberania. (...) Mas há pior. A ASJP está a promover - eventualmente para o apresentar como seu candidato ao lugar de Vice-Presidente do CSM nas eleições a realizar no primeiro trimestre do próximo ano - uma pessoa que, pelos seus actos concretos e de forma sistemática, simbolizou o pior da Judicatura nos tempos em que ocupou o lugar de juiz-secretário do CSM.

Há mais de uma década que deixei de ser sócio da ASJP - Associação Sindical dos Juízes Portugueses. E no que respeita à eleição dos juízes que fazem parte do CSM - Conselho Superior da Magistratura, nos últimos tempos, tenho votado nulo.

Fi-lo porque, em minha opinião, nenhuma dessas entidades estava a actuar por forma a ajudar a resolver os problemas de funcionamento do sistema judiciário ou a gerar prestígio para Judicatura (o conjunto dos juízes). E mantenho as minhas críticas.

Nomeadamente, entendi, na altura, que a ASJP tinha demasiados tiques sindicalistas. Porém, nunca me passou pela cabeça que essa organização se viria a tornar - como se tornou e já há muito - num sindicato em que os membros da sua direcção agem como se sentissem inveja daqueles que dirigem os sindicatos dos professores. Ou o dos procuradores do Ministério Público.

Todavia, a direcção da ASJP atingiu um novo recorde com o comunicado em que afirma que os juízes (e eles não falam em nome de todos os juízes - por exemplo, em meu nome não falam) perderam a confiança no CSM. E, o que é pior, fizeram as suas críticas num momento que cria legítimas suspeitas quanto aos verdadeiros objectivos da sua actuação; porque razão a "notícia" de um facto ocorrido em Julho surgiu em plena campanha eleitoral?

Os juízes, homens e mulheres como os outros, exactamente porque são seres humanos, têm ideologias e até afinidades ideológicas; o que não podem ter - nunca por nunca - é enfeudamentos partidários. Ou parecer que os têm.

Entre outras coisas, do que esta conduta da direcção da ASJP (que nem sequer do seu conselho geral ou de uma assembleia de associados) dá sinal é de uma profunda incompreensão do que é a democracia representativa. O que é inaceitável num juiz, que é o titular de um poder de soberania.

Na verdade, quando elegemos os nossos representantes, seja para o que for, não ganhamos o direito de exigir a sua demissão quando eles tomam alguma decisão que não nos agrada; se não gostarmos do modo como exerceram o cargo, na próxima vez não os elegemos. Ponto. É assim a Democracia. Que boa imagem poderão ter os cidadãos de quem assim se comporta? E que exemplo está a ser dado à Comunidade?

Sinceramente, quando li as notícias feitas a partir desse comunicado, senti uma profunda vergonha - e depois uma ainda mais profunda raiva; quem são estes para denegrir a imagem de um grupo inteiro de pessoas que têm o azar de os ter a exercer a mesma função social e institucional que elas?

Mas há pior. A ASJP está a promover - eventualmente para o apresentar como seu candidato ao lugar de Vice-Presidente do CSM nas eleições a realizar no primeiro trimestre do próximo ano - uma pessoa que, pelos seus actos concretos e de forma sistemática, simbolizou o pior da Judicatura nos tempos em que ocupou o lugar de juiz-secretário do CSM. Refiro-me ao Conselheiro Bravo Serra. Jogam essas pessoas no facto de os mais novos não terem qualquer memória acerca desses tempos. Mas eu tenho e outros também - e, se for necessário, não deixaremos apagar essa memória.

Mas, então, as críticas não são justificadas? Nem por isso.

Na verdade é conveniente não esquecer que, mal ou bem, em duas decisões judiciais (sendo totalmente irrelevante que numa delas tenha sido aposto um voto de vencido), foi entendido que o juiz em causa cometeu um erro grosseiro. E relativamente a uma dessas decisões (que condenou o Estado a pagar uma indemnização - sendo certo que a nova Lei da Responsabilidade Civil Extra-contratual do Estado não se aplica a este caso) está ainda pendente um recurso no Tribunal da Relação de Lisboa. Se essa decisão for confirmada, pese embora não seja possível, ainda que assim seja, o exercício do direito de regresso por parte do Estado, que imagem daria de si a Judicatura se tivesse graduado esse Juiz com a notação máxima (Muito Bom)? E não será eventualmente mais tranquila a decisão se a sentença for revogada? Finalmente é falso e até injurioso afirmar que se está a procurar intimidar os juízes - pois não foram alguns políticos condenados sem que sobre os julgadores tenha recaído qualquer crítica? Para além disso, se o CSM tivesse apreciado o relatório de inspecção, fosse qual fosse a decisão tomada, não poderia ela ser entendida como uma pressão sobre dois processos pendentes, aquele que corresponde ao recurso na Relação e o outro o "eterno" caso da Casa Pia?

O CSM agiu sensatamente. E a única falha que posso apontar é esta: quando se suscita o que a Lei chama uma "questão prejudicial", nós Juízes fixamos um prazo certo para a duração da suspensão do processo. Mas o STJ pode, se for esse o seu entendimento, corrigir essa deficiência. E daí não virá mal ao Mundo."

EURICO REIS
10.10.2009