quinta-feira, 16 de abril de 2009

alea jacta est

É Impensável e intolerável a mera perspectiva de que temos uma organização social, institucional e jurídica em que os arquivos da Polícia Judiciária, do Ministério Público ou dos Tribunais sejam o prelo das Editoras…

FW:...a nova Inquisição


À Direcção de informação da TVI

Infelizmente, esse canal de televisão persistiu na sua intenção de crucificar o casal McCann, mau grado o apelo que oportunamente lançamos alertando para os múltiplos e graves aspectos de uma tal transmissão, mormente,

“Um ex-investigador não tem legitimidade para vir contar em praça pública os factos que respeitam a uma investigação num processo crime, não lhe assiste qualquer direito de os divulgar, muitos deles certamente da esfera da vida privada dos envolvidos, Tal como o meu médico não pode, depois de se reformar, publicar um livro a contar as minhas maleitas e as de outros pacientes. Há normas legais para sustentar a ilicitude dessa divulgação de factos da vidinha dos outros”… (de postagem em blog por jurista competente em Julho 2008).

Já sabemos quem foram os cordeiros desta (segunda-feira de) Páscoa, assim como a quem coube/cabe o papel de Barrabás. Contudo,

Parece-nos que – o que é bem mais sério - este investigador, enquanto tal, trabalhou e investigou para o Estado - não para si - e ao Estado cabe também – e sobretudo – a responsabilidade e o dever de manter na sua estrita e institucional esfera a matéria investigada. É impensável e intolerável a mera perspectiva de que temos uma organização social, institucional e jurídica em que os arquivos da Polícia Judiciária, do Ministério Público ou dos Tribunais sejam o prelo das Editorias!

Sem prejuízo daquele desiderato, chamou-nos ainda a atenção este aspecto curioso:

- Logo no início do “documentário” o ex-inspector diz “O MEU NOME É GONÇALO AMARAL E DURANTE 27 ANOS FUI INVESTIGADOR DA POLICIA JUDICIARIA”(...)

Ora tendo-se aposentado o referido polícia com 48, e se foi inspector durante 27, sempre se pergunta qual era o órgão, escola, instituição (ou similar) que ao tempo fornecia à PJ investigadores seniores com 21 anos de idade?...

...parece tratar-se de uma mentira grosseira que esconde ou mitiga que, designadamente,

- Efectivamente, no fim dos anos 70 entrava-se para o serviço militar obrigatório com 20 a 21 anos, cumpriam-se (pelo menos) 16 meses de “tropa”, passava-se à disponibilidade com 22;

- Com esta idade (e naquele tempo) ninguém entrava com aquela idade no serviço militar com mais que o ensino secundário e só muito extraordinariamente a frequentar o 1º ano de uma qualquer faculdade;

.- Nesta altura era de tal forma excessivo o contingente de sargentos e alferes do Quadro Permanente (regressados das ex-colónias) que praticamente todos os incorporados o eram como meros soldados rasos, podendo depois alguns deles fazer a escola de cabos;

- Estávamos ainda a duas décadas do “III Quadro comunitário de apoio” e dos cursos de formação de Nível III CEE, pelo que nem na formação profissional existiam cursos de investigação judiciária profissionalizantes para maiores de 18

Assim,

1º O Sr Gonçalo Amaral não fez o serviço militar obrigatório?

2º O Sr Gonçalo Amaral fez onde e que curso de investigador judiciário para ser "investigador da PJ" aos 21 anos de idade?...

E não foi este o único excesso (ou contradição) detectado ao longo dos quase 50 minutos do documentário dirigido e narrado pelo próprio. Por outro lado, tenhamos presente que o referido investigador conclui o que conclui - seguindo um método dedutivo – ora excluindo, ora incluindo depoimentos com base nas suas “contradições”!

Logo, fazendo nós agora o papel de Gonçalo Amaral poderemos, com base nas suas contradições - a primeira das quais deflagra flagrantemente (passe a cacofonia) logo no início do seu documentário - não poderemos concluir que provavelmente o Sr Gonçalo Amaral nunca existiu, se existiu não esteve integrado no caso visado, e por aí adiante?...

Seguramente que esta contradição do ex-investigador não passou despercebida à TVI que, ainda assim, manteve a transmissão desta caça às bruxas de cá e de lá, abriu um grave precedente e demonstra a mais completa falta de respeito pela organização e sistema judiciários da República. De facto, além do (famigerado e putativo) share, o que almeja a TVI nesta parceria inquisitiva que chega a dizer que “com outro Ministério Público a conclusão teria sido diferente”?...

- Pretende a TVI desencadear uma “revolução judiciária” para impor uma Magistratura do Ministério Público electiva, como nos “states”?... E já tem (a TVI) os seus Procuradores Electivos em vista?...

Poderá até não haver quadro legal que condene a TVI, mas condenam-na, iniludivelmente, a decência, a ética e o sentido de dignidade...
Procidade

sexta-feira, 10 de abril de 2009

As novas Inquisições

A propósito do Programa televisivo anunciado para o dia 13Abr09 (TVI)

É com preocupação que constatamos que a TVI se prepara para fazer mais um “auto de fé” da família Mccann que, enquanto auto de fé, não será menos primário por ser televisionado, antes pelo contrário.

Com efeito, uma vez mais um qualquer Torquemada (seja Gonçalo, seja qualquer outro) prepara-se para, com a cumplicidade dolosa da TVI, prosseguir de forma – e na hasta - públicas a sua sanha inquisitória sobre pessoas que não estarão presentes para se defenderem e fazerem o respectivo contraditório.

Se a TVI levar a cabo esta sua intenção televisiva, perpetrará um dos mais graves casos de abuso de direitos praticado após o 25 de Abril: Trata-se de um caso de memória recente, de pessoas de outro país e de matéria sobre a qual o sistema judicial e a investigação criminal deveriam ser os primeiros a manter actuação discreta e serena, além de que - seja qual for a verdade - os Tribunais, a Justiça (logo, o Povo, o Estado) não os acusou de nada e menos ainda os condenou.

É certo que as razões que levam a TVI a promover este auto acusatório público – “pão e circo” - não se distinguem, no essencial, das razões dos imperadores nas arenas romanas e de outros caciques em geral ao longo da história (e da história da barbárie): Mas são inesperadas, inéditas, preocupantes, abusivas e nada sãs as razões que levam um agente da investigação criminal - pago pelos dinheiros públicos e desenvolvida no âmbito da justiça de que é soberano o Povo Português - a pedir a sua aposentação (continuando a ser pago, pois, pelo dinheiro de todos) para desenvolver arbitrariamente e a bel-prazer uma qualquer campanha retaliatória que não pode servir senão fins pessoais, sejam económicos, narcísicos ou outros.

Independentemente do “Caso Maddie” estar bem ou mal investigado, independentemente de dever ou não ser reaberto, a série de factos (e o próprio fenómeno) Gonçalo Amaral merece uma séria reflexão de todos porque está a causa o nosso sistema jurídico-constitucional no seu todo:

Portugal é um Estado de Direito do qual o Povo é o soberano, sendo por isso, igualmente, um estado Democrático. Pertence ao povo (e só a ele) toda a estruturação de um ordenamento jurídico que determina como são eleitos e nomeados, assim como o que são, como operam e para o que são as polícias, os acusadores/defensores públicos (Procurador Geral e Procuradores/as Adjuntos/as), os Tribunais, etc.

Se – bem ou mal - quem tem a competência para a pronúncia e a não-pronúncia no caso Maddie já o fez, a que vem este Polícia (de facto, continua a sê-lo através de um subterfúgio legal que não só lhe paga o ordenado como o dispensa de trabalhar para quem lhe paga, de se apresentar ao serviço ou de cumprir ordens) prosseguir a “acusação"?... que sanha acusatória o move, que fundamentalismo?...

De resto, algo há de profundamente anormal e preocupante neste homem que tão bruscamente decidiu abandonar emprego, missão e obrigação ética, etc., para se (auto)constituir arauto da verdade absoluta e fundamental, contra o perverso sistema da Justiça Portuguesa e o Lobbie político institucional inglês. Impregnado de uma tão fundamental missão, se acaso estivesse situado um pouco mais a oriente, já teria decretado a morte dos pais de Maddie, tal como a dada altura foi “pronunciado” o escritor Salmon Rushdie???

Como comentava um membro deste observatório, "A minha mãe tem oitenta anos. Sempre que o vê na TV diz “este homem está de má consciência, algo o perturba”… Será clarividência, ou mera evidência?"...

Como se disse, este cidadão não só é Polícia, como encarna - ainda que sem querer - o crescimento (ou recrudescimento) de Corporações e Corporativismos não sufragadas que aqui e ali começam a aparecer no trajecto das instituições democráticas. Tampouco é segredo que apoiam tácita (e/ou quase explicitamente) as posições deste agente reformado vários outros polícias no activo da mesma PJ que, numa espécie de propagação (ou praga) do fenómeno Moita Flores, nos dois últimos anos apareceram quase tantas vezes nas Televisões e jornais como o excessivo deputado Rangel (por exemplo), mas este, pelo menos, foi sufragado pelo voto soberano do Povo, democraticamente eleito e nomeado para as suas funções públicas.

Que corporativismo a recrudescer é este em que funcionários da Administração aparecem cada vez mais e mais frequentemente a fazer comunicados, a tomar posições, em paridade com os Lideres eleitos para a administração central ou local?...

Que “novos” poderes são estes e quem os sufraga ou sufragou?...É aos media que cabe fazer a sua aclamação?...De facto, é nos media – e só nestes – que se tem feito a sua promoção, sem atender a outros interesses que não sejam os da mútua promoção…

Este Polícia (que ainda não tem 50 anos) não poderia estar aposentado porque,

a) nem está incapacitado para o trabalho,

b) nem atingiu a idade da reforma.

c) a Reforma (ou aposentação) não pode ser uma licença sabática ou a famigerada “licença sem vencimento”...mas com!

Se este Polícia não quer trabalhar mais na Investigação Criminal e prefere ser o Varatojo do seculo XXI, que o faça, mas à sua custa, mantendo o direito de se reformar quando chegar à idade, como se faz com a maioria dos cidadãos. Ora em vez disso, atribui-se-lhe o que não deixa de ser um subsídio de acção corporativista, para que este represente uma frente corporativa onde outros polícias aparecem com cada vez mais frequência como Gurus do Direito, da Investigação e Acção Penal e da Justiça. Como se disse acima, é a praga Moita Flores, mas já em versão Moita Cardos, Moita Urtigas e outras moitas.

Nesta – ainda assim tão deficitária e insuficiente – democracia, todos são livres de procurar atingir a fama, fazer a sua promoção e lograr ambições pessoais (já se fala na indicação deste polícia como candidato a não sei que Câmara Municipal). Mas é bom que se mantenha uma ética essencial quanto aos limites:

- Que se não faça a promoção de futuros candidatos à custa do desaparecimento de uma criança e do – até ver!!! – sofrimento dos seus progenitores,

- Que se respeite a memória – recentíssima – dos factos,

- assim como os direitos de imagem, privacidade e intimidade dos lesados,

– incluindo os pais que - até prova em contrário - e a prova faz-se nos tribunais, não nas novas praças de acusação pública, as televisões – são vítimas, não vitimadores.

O cisma em relação ao jornalismo de hoje aumenta dia após dia e há razões para tal: Há 30 anos era impensável fazer o que a TVI se prepara para fazer hoje, apesar de haver menos “direito positivo”. Algo haveria então, da esfera das ordens normativas autónomas, que indicavam aos jornalistas os claros limites entre informar e promover autos de fé, delação, delapidação pública (passe a redundância).

Esperamos que a Direcção de Informação da TVI arrepie este grave precedente: Não estamos seguros de que ontem não tenha sido a Leonor Cipriano. Hoje seriam os Pais de Maddie. Amanhã poderá ser a Manuela Moura Guedes ou a Júlia Pinheiro.

“Um dia vieram prender os homens da outra cidade: nada fiz, afinal nem os conhecia. Um dia vieram prender os homens da rua em frente, não fiz nada, não eram sequer da minha família. Um dia vieram prender-me a mim e ninguém me ajudou ou defendeu”…
Procidade