sexta-feira, 10 de abril de 2009

As novas Inquisições

A propósito do Programa televisivo anunciado para o dia 13Abr09 (TVI)

É com preocupação que constatamos que a TVI se prepara para fazer mais um “auto de fé” da família Mccann que, enquanto auto de fé, não será menos primário por ser televisionado, antes pelo contrário.

Com efeito, uma vez mais um qualquer Torquemada (seja Gonçalo, seja qualquer outro) prepara-se para, com a cumplicidade dolosa da TVI, prosseguir de forma – e na hasta - públicas a sua sanha inquisitória sobre pessoas que não estarão presentes para se defenderem e fazerem o respectivo contraditório.

Se a TVI levar a cabo esta sua intenção televisiva, perpetrará um dos mais graves casos de abuso de direitos praticado após o 25 de Abril: Trata-se de um caso de memória recente, de pessoas de outro país e de matéria sobre a qual o sistema judicial e a investigação criminal deveriam ser os primeiros a manter actuação discreta e serena, além de que - seja qual for a verdade - os Tribunais, a Justiça (logo, o Povo, o Estado) não os acusou de nada e menos ainda os condenou.

É certo que as razões que levam a TVI a promover este auto acusatório público – “pão e circo” - não se distinguem, no essencial, das razões dos imperadores nas arenas romanas e de outros caciques em geral ao longo da história (e da história da barbárie): Mas são inesperadas, inéditas, preocupantes, abusivas e nada sãs as razões que levam um agente da investigação criminal - pago pelos dinheiros públicos e desenvolvida no âmbito da justiça de que é soberano o Povo Português - a pedir a sua aposentação (continuando a ser pago, pois, pelo dinheiro de todos) para desenvolver arbitrariamente e a bel-prazer uma qualquer campanha retaliatória que não pode servir senão fins pessoais, sejam económicos, narcísicos ou outros.

Independentemente do “Caso Maddie” estar bem ou mal investigado, independentemente de dever ou não ser reaberto, a série de factos (e o próprio fenómeno) Gonçalo Amaral merece uma séria reflexão de todos porque está a causa o nosso sistema jurídico-constitucional no seu todo:

Portugal é um Estado de Direito do qual o Povo é o soberano, sendo por isso, igualmente, um estado Democrático. Pertence ao povo (e só a ele) toda a estruturação de um ordenamento jurídico que determina como são eleitos e nomeados, assim como o que são, como operam e para o que são as polícias, os acusadores/defensores públicos (Procurador Geral e Procuradores/as Adjuntos/as), os Tribunais, etc.

Se – bem ou mal - quem tem a competência para a pronúncia e a não-pronúncia no caso Maddie já o fez, a que vem este Polícia (de facto, continua a sê-lo através de um subterfúgio legal que não só lhe paga o ordenado como o dispensa de trabalhar para quem lhe paga, de se apresentar ao serviço ou de cumprir ordens) prosseguir a “acusação"?... que sanha acusatória o move, que fundamentalismo?...

De resto, algo há de profundamente anormal e preocupante neste homem que tão bruscamente decidiu abandonar emprego, missão e obrigação ética, etc., para se (auto)constituir arauto da verdade absoluta e fundamental, contra o perverso sistema da Justiça Portuguesa e o Lobbie político institucional inglês. Impregnado de uma tão fundamental missão, se acaso estivesse situado um pouco mais a oriente, já teria decretado a morte dos pais de Maddie, tal como a dada altura foi “pronunciado” o escritor Salmon Rushdie???

Como comentava um membro deste observatório, "A minha mãe tem oitenta anos. Sempre que o vê na TV diz “este homem está de má consciência, algo o perturba”… Será clarividência, ou mera evidência?"...

Como se disse, este cidadão não só é Polícia, como encarna - ainda que sem querer - o crescimento (ou recrudescimento) de Corporações e Corporativismos não sufragadas que aqui e ali começam a aparecer no trajecto das instituições democráticas. Tampouco é segredo que apoiam tácita (e/ou quase explicitamente) as posições deste agente reformado vários outros polícias no activo da mesma PJ que, numa espécie de propagação (ou praga) do fenómeno Moita Flores, nos dois últimos anos apareceram quase tantas vezes nas Televisões e jornais como o excessivo deputado Rangel (por exemplo), mas este, pelo menos, foi sufragado pelo voto soberano do Povo, democraticamente eleito e nomeado para as suas funções públicas.

Que corporativismo a recrudescer é este em que funcionários da Administração aparecem cada vez mais e mais frequentemente a fazer comunicados, a tomar posições, em paridade com os Lideres eleitos para a administração central ou local?...

Que “novos” poderes são estes e quem os sufraga ou sufragou?...É aos media que cabe fazer a sua aclamação?...De facto, é nos media – e só nestes – que se tem feito a sua promoção, sem atender a outros interesses que não sejam os da mútua promoção…

Este Polícia (que ainda não tem 50 anos) não poderia estar aposentado porque,

a) nem está incapacitado para o trabalho,

b) nem atingiu a idade da reforma.

c) a Reforma (ou aposentação) não pode ser uma licença sabática ou a famigerada “licença sem vencimento”...mas com!

Se este Polícia não quer trabalhar mais na Investigação Criminal e prefere ser o Varatojo do seculo XXI, que o faça, mas à sua custa, mantendo o direito de se reformar quando chegar à idade, como se faz com a maioria dos cidadãos. Ora em vez disso, atribui-se-lhe o que não deixa de ser um subsídio de acção corporativista, para que este represente uma frente corporativa onde outros polícias aparecem com cada vez mais frequência como Gurus do Direito, da Investigação e Acção Penal e da Justiça. Como se disse acima, é a praga Moita Flores, mas já em versão Moita Cardos, Moita Urtigas e outras moitas.

Nesta – ainda assim tão deficitária e insuficiente – democracia, todos são livres de procurar atingir a fama, fazer a sua promoção e lograr ambições pessoais (já se fala na indicação deste polícia como candidato a não sei que Câmara Municipal). Mas é bom que se mantenha uma ética essencial quanto aos limites:

- Que se não faça a promoção de futuros candidatos à custa do desaparecimento de uma criança e do – até ver!!! – sofrimento dos seus progenitores,

- Que se respeite a memória – recentíssima – dos factos,

- assim como os direitos de imagem, privacidade e intimidade dos lesados,

– incluindo os pais que - até prova em contrário - e a prova faz-se nos tribunais, não nas novas praças de acusação pública, as televisões – são vítimas, não vitimadores.

O cisma em relação ao jornalismo de hoje aumenta dia após dia e há razões para tal: Há 30 anos era impensável fazer o que a TVI se prepara para fazer hoje, apesar de haver menos “direito positivo”. Algo haveria então, da esfera das ordens normativas autónomas, que indicavam aos jornalistas os claros limites entre informar e promover autos de fé, delação, delapidação pública (passe a redundância).

Esperamos que a Direcção de Informação da TVI arrepie este grave precedente: Não estamos seguros de que ontem não tenha sido a Leonor Cipriano. Hoje seriam os Pais de Maddie. Amanhã poderá ser a Manuela Moura Guedes ou a Júlia Pinheiro.

“Um dia vieram prender os homens da outra cidade: nada fiz, afinal nem os conhecia. Um dia vieram prender os homens da rua em frente, não fiz nada, não eram sequer da minha família. Um dia vieram prender-me a mim e ninguém me ajudou ou defendeu”…
Procidade

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