Imunidades, Isenções e outros "privilégios reais"
Dizem os livros de história que "a revolução liberal [1820!] pôs fim à sociedade das ordens...". Estórias!....
Austeridade
e privilégios, no
Jornal de Notícias. Excertos:
«[...] O primeiro-ministro, se ainda possui alguma réstia de dignidade e de moralidade, tem de explicar por que é que os magistrados continuam a não pagar impostos sobre uma parte significativa das suas retribuições; tem de explicar por que é que recebem mais de sete mil euros por ano como subsídio de habitação; tem de explicar por que é que essa remuneração está isenta de tributação, sobretudo quando o Governo aumenta asfixiantemente os impostos sobre o trabalho e se propõe cortar mais de mil milhões de euros nos apoios sociais, nomeadamente no subsídio de desemprego, no rendimento social de inserção, nos cheques-dentista para crianças e — pasme-se — no complemento solidário para idosos, ou seja, para aquelas pessoas que já não podem deslocar-se, alimentar-se nem fazer a sua higiene pessoal.
O primeiro-ministro terá também de explicar ao país por que é que os juízes e os procuradores do STJ, do STA, do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, além de todas aquelas regalias, ainda têm o privilégio de receber ajudas de custas (de montante igual ao recebido pelos membros do Governo) por cada dia em que vão aos respetivos tribunais, ou seja, aos seus locais de trabalho.
Se o não fizer, ficaremos todos, legitimamente, a suspeitar que o primeiro-ministro só mantém esses privilégios com o fito de, com eles, tentar comprar indulgências judiciais.»
O artigo na íntegra:
"Logo após surgir na Comunicação Social a informação de que as escutas
de conversas telefónicas entre o primeiro-ministro e um banqueiro
suspeito de envolvimento em graves crimes económicos tinham sido
remetidas pelo Ministério Público ao presidente do Supremo Tribunal de
Justiça para validação processual a ministra da Justiça entrou em cena
com a subtileza que lhe é peculiar. Primeiro declarou que era preciso
mexer na legislação sobre o segredo de justiça (quando as vítimas das
violações do segredo de justiça eram outras ela dizia que a impunidade
acabou) e logo de seguida "solicitou" à Procuradoria-Geral da República
que viesse ilibar publicamente o primeiro-ministro e líder do seu
partido, o que a PGR prontamente fez garantindo não existir contra ele
«quaisquer suspeitas da prática de ilícitos de natureza criminal».
Sublinhe-se
que, nos termos da lei (artigo 87, n.0º 13 do CPP), "a prestação de
esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária" em processos
cobertos pelo segredo de justiça só pode ocorrer a "pedido de pessoas
publicamente postas em causa" ou então para "garantir a segurança de
pessoas e bens ou a tranquilidade pública". Uma vez que nenhum dos
escutados (PM e banqueiro) solicitou tais esclarecimentos, os mesmos só
podem ter sido "solicitados" e prestados com o nobre intuito de garantir
a "segurança" e a "tranquilidade" de todos nós. Mas a PGR foi mais
longe e informou que também "foi instaurado o competente inquérito,
tendo em vista a investigação do crime de violação de segredo de
justiça". Não há como ser zeloso!...
Num segundo momento, a
ministra da Justiça (que não chegou a vice--presidente do PSD pela cor
dos olhos ou dos cabelos) tratou, no maior sigilo, de tomar outras
medidas mais eficazes, prometendo aos magistrados que continuarão a
usufruir do privilégio de poderem viajar gratuitamente nos transportes
públicos, incluindo na primeira classe dos comboios Alfa. Para isso
garantiu-lhes (sempre no maior segredo) que o Governo iria retirar da
Lei do Orçamento a norma que punha fim a esse privilégio. O facto de o
Orçamento já estar na Assembleia da República não constitui óbice, pois,
para a ministra, a função do Parlamento é apenas a de acatar, submisso,
as pretensões dos membros do Governo, incluindo os acordos
estabelecidos à sorrelfa com castas de privilegiados.
Mas, mais
escandaloso do que esse sigiloso acordo político-judicial é a manutenção
para todos os magistrados de um estatuto de jubilação que faz com que,
mesmo depois de aposentados, mantenham até morrer direitos e regalias
próprios de quem está a trabalhar. E ainda mais vergonhoso do que tudo
isso é a continuidade de privilégios remuneratórios absolutamente
inconcebíveis num regime democrático, sobretudo em períodos de crise e
de austeridade como o actual.
O primeiro-ministro, se ainda possui
alguma réstia de dignidade e de moralidade, tem de explicar por que é
que os magistrados continuam a não pagar impostos sobre uma parte
significativa das suas retribuições; tem de explicar por que é que
recebem mais de sete mil euros por ano como subsídio de habitação; tem
de explicar por que é que essa remuneração está isenta de tributação,
sobretudo quando o Governo aumenta asfixiantemente os impostos sobre o
trabalho e se propõe cortar mais de mil milhões de euros nos apoios
sociais, nomeadamente no subsídio de desemprego, no rendimento social de
inserção, nos cheques-dentista para crianças e - pasme-se - no
complemento solidário para idosos, ou seja, para aquelas pessoas que já
não podem deslocar-se, alimentar- -se nem fazer a sua higiene pessoal.
O
primeiro-ministro terá também de explicar ao país por que é que os
juízes e os procuradores do STJ, do STA, do Tribunal Constitucional e do
Tribunal de Contas, além de todas aquelas regalias, ainda têm o
privilégio de receber ajudas de custas (de montante igual ao recebido
pelos membros do Governo) por cada dia em que vão aos respectivos
tribunais, ou seja, ao seus locais de trabalho.
Se o não fizer,
ficaremos todos, legitimamente, a suspeitar que o primeiro-ministro só
mantém esses privilégios com o fito de, com eles, tentar comprar
indulgências judiciais."